Do Casulo do Malhoa à Praia das Rocas
30/11/2022| Castanheira de Pêra, Figueiró dos Vinhos| CIMRL
Figueiró Dos Vinhos / Fragas de São Simão
Para muitos Figueiró dos Vinhos é sinónimo de arte e pintura. As cores da vila foram irresistíveis para Malhoa ou Henrique Pinto, artistas do Grupo do Leão. Uma bela forma de descobrir os recantos é seguir a volta dos quatro pintores: José Malhoa (1855-1933) e Manuel Henrique Pinto (1853-1912), que foram para Figueiró a convite do mestre e amigo José Simões d’Almeida Júnior (1844-1926) e o seu sobrinho José Simões d’Almeida (1880-1950), ambos nascidos na terra. Assim sendo, o ponto de partida obrigatório é o Casulo, a casa que Malhoa construiu, onde viveu grande parte da sua vida (e pintou grande parte das suas obras) e veio a falecer a 26 de outubro de 1933.
Depois basta atravessar a rua e visitar a Casa da Cultura, onde estão sempre patentes diversas exposições temáticas. E da arte mais formal podes saltar para apreciar o que o homem consegue fazer com a natureza. No jardim municipal há verdadeiros testes à perfeição vegetal, com buxos aparados sob a forma de cilindros e árvores que mais parecem gelados prontos para fazer as delícias das crianças. Estas têm um parque infantil (devidamente separado por idades).
A Igreja Matriz, com o seu altar-mor e tribuna de talha dourada onde está o quadro de Malhoa “O Batismo de Cristo”, está agora com um novo esplendor depois das obras de conservação. Está aberta todos os dias até às 17h00. Celestial é também o pão de ló, cuja receita teve origem conventual e foi reinventada por António de Vasconcelos no início do século XX e que se mantém intacta até hoje.
É tempo de subir. A primeira paragem é a Torre da Cadeia, construída em 1506 como símbolo da autonomia municipal e que também foi eternizada por Malhoa. Hoje é um miradouro de onde é possível avistar o núcleo quinhentista da vila. Mas atenção aos horários! É preciso pedir a chave de acesso na secretaria da Câmara Municipal (nos dias úteis” ou no Posto de Turismo das 9h00 às 13h00 e das 14h00 às 17h00. O sino altaneiro servia para o alcaide convocar as assembleias. Nos anos 30 o edifício contíguo que fora a câmara municipal acabou convertido em cadeia. Hoje já não existe.
Recupera o fôlego e continua a subir. Rapidamente vais deparar-te com uma bonita Cruz de Ferro, numa rua que desemboca no Largo de S. Sebastião. Já no topo da vila, encontras a capela do Mártir a assinalar, como era costume, uma das entradas das vilas.
No percurso de regresso, volta a subir para apreciar as vistas desafogadas que o miradouro da Madre de Deus proporciona e a pequena capelinha, com o mesmo nome, no topo da encosta, que foi outrora uma das entradas mais antigas de Figueiró dos Vinhos.
Mas antes tens direito a refrescar-te na Fonte das Freiras, cuja designação se deve à proximidade do Mosteiro de Santa Clara, da ordem franciscana, que ali existiu entre os séculos XVI e XIX. A frescura e abundância da água é explicada pelo lago subterrâneo, ou uma mãe de água que se divide em várias nascentes periféricas. O curso de água produzido, a Ribeira da Madre, que atravessa a vila de norte a sul, foi mais tarde canalizado, através de uma conduta subterrânea em pedra, para fazer chegar a água ao convento de frades que existia no fundo da vila.
Com tantos conventos não é de estranhar as iguarias celestiais que por aqui abundam. Castanhas doces, pingos de tocha e queijinhos do céu são algumas das opções para sobremesa do almoço que já mereces.
Retemperadas as forças tens várias opções. A escolha dependerá do gosto de cada um. Podes continuar a explorar a vila de Figueiró com uma visita ao Convento do Carmo e ao seu magnífico património ou ao Museu e Centro de Artes, que fica na vizinhança do Casulo onde é possível apreciar diversas obras dos artistas de Figueiró, inseridos na escola Naturalista. A opção pode ainda recair numa passagem pelo Museu do Xadrez.
Outra alternativa, completamente diferente, é ir até à Praia Fluvial Ana de Aviz que fica a caminho das Fragas de São Simão. Vai com atenção para não te escapar a sinalização. As águas cristalinas e o parque de merendas valem bem a pena. E para quem gosta de grelhados, tem uma estrutura à disposição. Até podes optar por fazer aqui a tua pausa de almoço.
As Fragas de São Simão dir-se-ia que são imperdíveis. O acesso de carro pode ser um pouco difícil, sobretudo se houver uma grande afluência. A estrada serpenteia até perto das Fragas, mas o estacionamento nas bermas acaba por dificultar a circulação. Mais acima há espaço para estacionamento e podes fazer um belo passeio pelo passadiço. Os banhos na água gelada e cristalina, com pequenos peixes por companhia, completam o cenário idílico formado pelas árvores ondulantes e as margens de seixos arredondados. À tua volta só o som de água a correr, o vento nas copas das árvores e o chilrear dos pássaros. O tempo parece parar.
Mas não pára. Chega a hora de ir embora. Na despedida, aproveita o miradouro para uma última olhada sobre os vales verdejantes e o casal de S. Simão. A aldeia totalmente recuperada, que integra a rede das Aldeias de Xisto, é o próximo destino onde podes ficar para jantar (mas tens de marcar com antecedência, caso contrário arriscar a ter de procurar outra alternativa).
Castanheira de Pera / Praia das Rocas / Poço da Corga / Coentral
Para o segundo dia de aventuras há que experimentar as ondas do interior. A Praia das Rocas, em Castanheira de Pera já abriu portas e a verdade é que podes passar lá todo o dia a mergulhar e a brincar nas ondas artificiais ou dedicares-te a atividades mais radicais como rapel, slide e escalada.
Para quem não gosta de ficar quieto num só lugar podes dar uma espreitadela à praia fluvial do Poço da Corga, dar um mergulho nas águas cristalinas e sempre correntes (logo frescas), e descansar ao sol na relva ou à sombra de uma pérgula de lilases. De sublinhar que além da praia (vigiada e com todos os requisitos de segurança e acessibilidades, incluindo balneários) existe um parque das merendas e até um museu do lagar, em tempos movido pelas águas do rio.
Em Castanheira de Pera, que chegou a ser o terceiro maior centro industrial de lanifícios no país – o único onde ainda hoje se fabricam os barretes de campino ou de pescador da Nazaré, mas só por encomenda –, é tempo ainda para passear pelo centro histórico (um pouco degradado, é verdade, mas onde se veem múltiplas janelas, em casas devolutas, tapadas com tecidos que parecem resistir aos tempos), visitar a Igreja Matriz, do final do Século XVII, a capela velha ou os jardins da Casa da Criança Rainha D. Leonor com os seus magníficos painéis de azulejo. Além das sombras convidativas e dos labirintos de buxos, esta instituição edificada por Bissaya Barreto, médico e cirurgião natural da região, vale a pena explorar mais além, contornar a casa do tempo e apreciar os caminhos por entre árvores centenárias.
Mesmo ao lado fica o Museu da Casa do Tempo.
A visita a Castanheira de Pera não fica completa sem uma passagem pelos poços de neve que, tal como o nome indica, abasteciam de gelo a corte de Lisboa. Os acessos aos três, dos sete poços, são maus e se não tiveres um todo-o-terreno vais ter de ir com muito cuidado e atenção. A alternativa seria optares por fazer o percurso pedonal, mas tudo depende do tempo de que dispões. Além destas estruturas circulares, feitas em pedra, com uma só porta virada a nascente para evitar a entrada do sol e que a neve derreta, podes também visitar a capela de Santo António, datada de 1786 (se estiver aberta). E dependendo da estrada que seguires, até podes sair do concelho, passar pelo baloiço no topo da serra da Lousã, desfrutar dessa experiência única, e voltar a entrar para chegar aos poços que guardavam a neve compactada até ao verão. Os blocos de gelo eram cortados e conservados em palha para aguentarem o transporte até Lisboa, primeiro em carro de bois e, em Constância, seguia de barco pelo rio Tejo até ao Paço.
Se gostas de caminhar e descobrir paisagens serranas, junto aos poços de neve tens o passadiço da Ribeira das Quelhas com cerca de um quilómetro de extensão. Estas estruturas em madeira estão a ganhar adeptos e permitem apreciar paisagens que estavam vedadas devido à dificuldade dos acessos. Mas atenção, o acesso é feito através de uma estrada de terra batida.
O percurso da Ribeira das Quelhas segue o caminho talhado pela serra e pelo xisto, criando no seu percurso algumas quedas de água e piscinas refrescantes. Uma delícia em dias de calor para ajudar a combater o calor durante o percurso pedonal.
Mesmo ali ao lado fica a aldeia do Coentral, uma das povoações mais antigas do concelho de Castanheira de Pera, e foi freguesia durante centenas de anos, englobando algumas pequenas aldeias, sendo a sede na aldeia de Coentral Grande. Hoje é território desertificado, sendo cada vez mais difícil encontrar os sinais da pequena indústria têxtil do passado, assistindo-se a um decréscimo da sua população nas últimas décadas, e à fusão na União das Freguesias de Castanheira de Pera e Coentral, com a reorganização administrativa do território em 2013.
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