Da cidade do Marquês à capital do Chícharo
30/11/2022| Alvaiazere, Pombal| CIMRL
Pombal / Redinha / Louriçal / Osso da Baleia
Não há nada como começar a visita por onde teve início a povoação. Século XII, em plena reconquista cristã, Gualdim Pais inicia a construção do castelo de Pombal, uma fortaleza militar, posto avançado de defesa do Mondego. A torre de menagem e a grande cisterna são ainda hoje pontos de referência deste castelo, que foi sofrendo várias alterações ao longo dos séculos, como a abertura de janelas nas muralhas, que, entretanto, voltaram a desaparecer na mais recente recuperação.
Uma estrutura metálica tornou acessível o interior da torre de menagem e proporciona aos visitantes uma vista desafogada de toda a região. Foi também construído um posto de turismo onde as crianças podem assistir aos filmes animados com Sesnando, o herói improvável e a Lenda do Mouro al Pal Omar.
O mouro esbelto usava as suas artes de sedução para atrair todas as donzelas. Os cavaleiros do Templo combateram-no e acabaram por o ver desaparecer para sempre numa gruta encantada do palácio no alto do monte. Para evitar que escapasse, em cima dessa gruta foi construído um castelo de pedra – o castelo de Pombal. Mas a lenda diz que o mouro continua a encantar as raparigas casadoiras que ousam ir sozinhas ao castelo após o pôr-do-sol.
Pombal tem outras lendas associadas ao seu nome. Um rei ao avistar um grande número de pombas a sobrevoar o morro do castelo terá exclamado: “Formoso pombal!” Podes escolher a história que mais gostas. Mas, no foral da Redinha de 1159, Pombal é designado por “Terrae Palumbarii” e a heráldica de Pombal coloca dois pombos nas ameias do castelo.
Deixemos estas histórias e vamos à descoberta de outras, nomeadamente associadas ao conhecido marquês, que antes de o ser foi embaixador e conde de Oeiras. O Museu que lhe é dedicado é o melhor local para saber tudo sobre uma personagem da história de Portugal que teve tanto de génio como de déspota. Mais uma vez existe um filme de animação para as crianças que as ajuda a compreender melhor o percurso do Marquês que reconstruiu Lisboa depois do terramoto de 1755 e que não nasceu em Pombal, como muitos pensam. Mas morreu lá depois de ter sido expulso da corte.
O museu, situado naquela que foi em tempos a cadeia por ele mandada construir, apresenta um espólio impressionante que começou a ser reunido pelo antiquário Manuel Gameiro. Entre as peças expostas está uma secretária e cadeira do próprio, cartas várias por ele assinadas e até a urna na qual foi enterrado na igreja de Nossa Senhora do Cardal. Mas já lá vamos. Podes ainda ver uma pedra que parece uma pia, mas que afinal é um molde para o fabrico de chapéus oriunda da Real Fábrica de Chapéus da Gramela.
Depois da antiga cadeia, onde ainda é possível ver aquelas que foram as celas masculina e feminina, basta atravessar a praça, que também tem o nome do Marquês, para visitar o museu de Arte Popular. Nesta praça, ao longo do verão, são organizadas várias iniciativas, desde espetáculos, concertos, projeção de filmes, exposições, tudo ao ar livre e com o distanciamento social que os novos tempos exigem.
Este núcleo museológico fica situado no antigo celeiro que Marquês de Pombal mandou construir em 1776 para armazenar os cereais que provinham da sua quinta – a Quinta da Gramela, onde viveu com a sua primeira mulher (D. Teresa de Noronha e Bourbon Mendonça e Almada) afastado dos olhares que condenavam essa união. Também aqui a origem deste museu parte da coleção de um particular, Nelson Lobo Rocha, que ao longo de 30 anos de convívio com os artesãos foi reunindo as peças que hoje podem ser observadas ao longo de vitrines que contam um pouco da história de Portugal e do seu povo. Uma explosão de cor, imaginação, alegria e uma perfeição incrível. No museu há ainda espaço para exibir a técnica de construção da gaiola pombalina.
No topo da praça vale a pena dar um salto à Igreja Matriz de S. Martinho onde, em 1323, D. Dinis e o seu filho D. Afonso juraram paz, apenas conseguida por intermédio da Rainha Santa Isabel, como retrata o painel de azulejos sobre o arco triunfal e que resistiu aos desaires das invasões francesas. Ao lado está a casa onde Sebastião José de Carvalho e Melo faleceu, longe dos luxos e do poder que teve no reinado de D. José.
Aproveita para subir um pouco até à torre do Relógio Velho, mandada construir por D. Pedro I para recolher os impostos a judeus e mouros em dia de S. Martinho. O nome decorre do relógio mecânico instalado já por D. Manuel I para assegurar que o sino tocava sempre à hora certa: de manhã e ao pôr do sol para que os judeus soubessem quando tinham de sair da cidade, quando podiam começar a receber cristãos na judiaria ou a hora de recolher a casa. Alertas importantes porque não podiam frequentar o resto da vila. A torre também pode ser visitada a seguir ao castelo, a caminho da praça, já que fica a meio da encosta. Tudo depende se estás a fazer toda a visita a pé ou se optaste por ir de carro para o castelo. Mas o percurso pedonal permite uma visita mais saudável e tranquila, com tempo para tirar algumas fotografias ao longo do percurso.
Nas voltas pela cidade toma atenção às várias casas de Arte Nova, da autoria de Ernesto Korrodi, o arquiteto suíço que se radicou em Portugal no século XIX, e que foi responsável por vários edifícios espalhados por todo o país e também pela reabilitação do castelo de Leiria que o salvou do abandono e ruína. A Casa Varela, junto à ponte de D. Maria I, a casa na Rua Almirante Reis e no Jardim do Cardal, o pedestal do busto do Marquês de Pombal e a “Casa Cor de Rosa”.
Mesmo ao lado fica a igreja de Nossa Senhora do Cardal. Foi nesta igreja de estilo Barroco que esteve sepultado durante muitos anos o Marquês de Pombal. Mas as suas ossadas acabaram por ser levadas para Lisboa, a pedido do terceiro neto, em 1856. Ficou a lápide no local e o caixão (em exposição no Museu). No interior é ainda possível ver o retábulo em pedra de Ançã atribuído a João Ruão e que estava inicialmente na igreja de Santa Maria do Castelo, totalmente destruída.
A história desta igreja está relacionada com uma praga de gafanhotos que invadiu Pombal. A população devota à Nossa Senhora do Cardal, cujo nome original era Nossa Senhora de Jerusalém (mas ‘rebatizada’ à luz da abundância de cardos na região), fez uma procissão, que terminava na igreja erigida em honra da santa e a praga desapareceu. Desde então, no final de julho, celebram-se as Festas do Bodo, que têm como ponto alto a procissão. Agora, um gafanhoto gigante iluminado em frente da igreja fez as delícias de miúdo e graúdos – e rivaliza com Marcelo nas selfies.
As Festas do Bodo são igualmente rijas em Abiúl, que fica a apenas 11 quilómetros. Mas essa é uma paragem para explorar amanhã. Aproveita para almoçar antes de partir para o Louriçal. Tenta provar tortulhos, enchidos de origem secular produzidos artesanalmente com carne de ovelha. Mais uma razão para caminhar!
Bastam cerca de 14 minutos de carro para descobrir um dos tesouros mais bem guardados do país – o Convento do Louriçal. As paredes da igreja integralmente forradas de azulejos azuis e brancos, com cenas da paixão de Cristo não deixam ninguém indiferente. E depois das obras de conservação, entre setembro de 2020 e a Páscoa de 2021, a igreja parece ter ganho uma nova vida. Pode ser visitada ao longo do dia.
O convento é ainda hoje habitado e apesar da clausura, as freiras têm sabido adaptar-se aos tempos modernos. Para começar têm uma página no Facebook, marcam presença em feiras de doçaria e vendem os famosos biscoitos do Louriçal, cuja forma em oito denuncia o sabor infinitamente bom que têm. Entre as iguarias quase pecaminosas contam-se também doces e compotas. Basta dirigirem-se à entrada do convento tocar a campainha, estrategicamente colocada ao lado de uma antiga roda dos expostos e pedir o que se pretende. A irmã Maria de Fátima trata do resto.
É também esta irmã, que está no convento há 34 anos, que organiza as visitas ao núcleo museológico. É preciso marcar com antecedência pelo 236 961 138, pelo email clarissas.louriçal@sapo.pt ou ainda através da página de Facebook das irmãs: https://www.facebook.com/irmas.lourical.
As entradas custam um euro.
Mesmo à porta do convento fica um bonito aqueduto que fielmente abasteceu de água ao convento desde o século XVIII. Tem 350 metros e 35 arcos e está em perfeito estado de conservação, até porque continua a funcionar.
Agora há que tomar opções. Seguir em frente pela estrada atlântica – que também tem uma ciclovia (24 km) – para ir até à praia do Osso da Baleia ou voltar para trás e visitar a Redinha. A escolha pode muito bem depender do tempo. Mesmo no verão não é garantido que o sol brilhe nesta praia que deve o seu nome ao esqueleto de uma baleia que terá dado à costa no início do século XX. Mas o facto de ser uma praia sem qualquer construção urbana (como já há poucas no país) vale sempre uma visita, para conhecer as dunas e dar longos passeios à beira-mar. Durante a época balnear a praia é vigiada e tem um bar.
Além disso, o caminho até lá é magnífico porque tens de percorrer diversos espaços florestais, como o Pinhal de Leiria e a Mata Nacional do Urso. Pontos que por si só também valem uma visita. Mas para isso é necessário mais tempo ou fazer opções diferentes de visita. Por isso, se a previsão meteorológica der tempo limpo no dia da visita, aproveita.
Se a tua escolha for pela Redinha vais conhecer uma localidade habitada desde o tempo dos romanos que lá deixaram uma ponte de três arcos no século XIII. O primeiro foral data de 1159 concedido por D. Gualdim Pais e por isso se admite a possibilidade de também ter tido um castelo templário. Mas esse não chegou aos nossos dias. Sorte diferente tiveram as azenhas de pão e azeite que os templários construíram ao longo da margem do rio Anços, que na altura era navegável. Pode dizer-se que a Redinha esteve sempre em expansão até às invasões francesas, a 12 de março de 1811, que levaram à extinção do concelho, em 1842. Foi integrado no concelho de Soure e mais tarde no de Pombal.
Podes assistir à recriação da Batalha da Redinha, a 12 de março, pela companhia teatral Viv’Arte.
Ao passear pelas ruas é possível ver casas brasonadas e igrejas com traços manuelinos, como é o caso da igreja matriz.
Mas falando de igrejas, vale a pena subir até ao topo da Serra da Redinha para ver a Capela de Nossa Senhora da Estrela, talhada na própria rocha e um miradouro de cortar a respiração, com vista sobre todo o vale. Em dias de céu limpo é mesmo possível avistar o mar. A santa no topo da edificação recorda a lenda do pescador que, guiado por uma estrela, encontrou porto seguro após uma noite de grande aflição no mar.
A serra tem ainda trilhos magníficos para explorar, tudo depende do nível de aventura para o qual cada um está preparado. Mas uma coisa está sempre garantida: uma beleza natural em estado quase selvagem.
Agora é rumar de volta a Pombal para descobrires outras paragens no dia seguinte. Mas antes de deixares a cidade não te esqueças de levar umas recordações feitas em bracejo entrançado, a técnica de cestaria típica da região.
Abiul / Serra de Sicó / Alvaiázere
Abiul, onde se encontra a mais antiga praça de touros de Portugal e onde são organizadas três corridas durante o mês de agosto, é palco das Festas do Bodo em agosto. Cá em baixo, a Praça Velha transpira tradição tauromáquica com o palanque onde os duques de Aveiro assistiam às corridas de touros, quatro barreiras como se de uma arena se tratasse e, claro, o forno comunitário ou forno do Bodo, construído em 1567 (e reconstruído no século XVIII). Nele era cozido um enorme bolo durante as festas religiosas em honra de Nossa Senhora das Neves que se celebram no primeiro fim de semana de agosto.
A pitoresca aldeia está cheia de recantos como o nicho seiscentista que fez parte de uma capela que não chegou aos nossos dias e que terá pertencido ao palácio construído por André Silva Coutinho em estilo maneirista e que depois passou para os Duques de Aveiro.
Pelas ruas estão espalhados painéis de azulejos, de uma oficina cerâmica de Pombal, com explicações sobre os vários pontos de interesse. A Misericórdia de Abiul, que já funcionava em 1620 (embora não se saiba a data da sua fundação), é apenas um exemplo.
Outro ponto incontornável é o arco manuelino edificado entre os finais do século XV e o início do século XVI. Um dos possíveis pontos de entrada em Abiul, talvez o mais interessante, uma espécie de portal do tempo. No fim de contas Abiul recebeu a sua primeira carta de foral ainda no reinado de D. Afonso Henriques em 1167.
Quando te cansares de calcorrear as ruas podes tentar explorar as encostas da serra de Sicó. Mas se percorrer trilhos não é a tua opção favorita, podes sempre fazer uns escassos 22 quilómetros e visitar Alvaiázere.
A arqueologia é um dos pratos fortes deste destino do centro de Portugal. Os vestígios humanos por estas paragens remontam ao paleolítico, mas foram os árabes e os romanos que deixaram mais. Podem ser apreciados no território (como as pontes, antas, minas, vilas) ou tudo explicadinho no museu municipal. Igrejas também não faltam nestas paragens, tal como os restaurantes onde pode experimentar uma iguaria da terra – o chícharo. A preparação desta leguminosa assume todo o seu esplendor durante os festivais gastronómicos da terra, mas é possível comê-la todo o ano.
Quem vai a Alvaiázere também se deve deixar tentar por algo mais radical: o parapente. As condições são perfeitas e para os amantes da modalidade tem sido um ponto cada vez mais divulgado. Ventos favoráveis permitem planar no alto da serra e apreciar, lá do alto, tudo o que a natureza tem para oferecer nesta região. A vista é de cortar a respiração. Só tens de marcar com antecedência para garantir uma boa conjugação de tudo aquilo que queres fazer na região.
Comunidade Intermunicipal
da Região de Leiria
Edifício Maringá, Torre 2 – 2º andar, 2400-118 Leiria
Telefone: +351 244 811 133
(Custo de uma chamada para a rede fixa nacional)
Email: cimrl@cimregiaodeleiria.pt